sábado, 29 de novembro de 2008

Sobre Livros

O livro "Pelo amor ao saber: os orientalistas e seus inimigos" de Robert Irwin (Rio de Janeiro: Record, 2008) é uma erudita síntese histórica do orientalismo mas também uma análise crítica, com excelente fundamentação, das teses de Edward Saïd, autor cuja obra é muito citada quando se trata do tema em questão. Não que sejam raras as restrições aos escritos de caráter histórico de Saïd (que na verdade era um especialista em literatura e renomado crítico literário). Já em 1982, em um artigo publicado no New York Review of Books, Clifford Geertz o acusava de "falta de rigor na pesquisa". Mais recentemente François Pouillon, na Revista Qantara, do Instituto do Mundo Árabe de Paris, contestou também as colocações de Saïd ao tratar do orientalismo.
O livro de Irwin, no entanto, vai muito além das críticas a Edward Saïd e mesmo a outros "inimigos" do orientalismo, como A. L. Tibawi,  já que se constitui num vasto e detalhado painel dos estudos e também dos estudiosos que têm o Oriente como tema. É interessante, ainda, acrescentar que Robert Irwin é um grande especialista em Islã, com inúmeras obras publicadas, com o foco principalmente no mundo árabe.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Aos interessados na história do Oriente Médio sugiro a leitura de "Paz e Guerra no Oriente Médio" de David Fromkin (Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2008). O livro é resultado de uma pesquisa na qual o autor analisou detalhadamente fontes primárias relevantes, entre elas os documentos de Lloyd George, de Mark Sykes, de T. E. Lawrence, do rei Feisal, bem como os arquivos da Declaração Balfour. O autor esclarece muitas questões relativas às negociações do acordo Sykes-Picot e aborda com clareza o papel de Lawrence, mostrando a face pragmática do mito.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Entre maravilhas e razão: imagens do Brasil nos relatos de viajantes franceses


Carmen Lícia Palazzo

RESUMO:
O tema do presente artigo diz respeito aos olhares que os viajantes franceses lançaram ao Brasil entre os séculos XVI e XVIII. O corte cronológico adotado privilegiou a longa duração, trabalhando também com a idéia de uma Idade Média que ultrapassa em muito os limites tradicionalmente aceitos para o seu final. Constatou-se, através da análise dos relatos de viagens, que as permanências medievais nas mentalidades coletivas dos séculos XVI e início do XVII representaram uma abertura para entender o não-europeu — abertura esta que foi se tornando menos evidente à medida em que a razão científica e o iluminismo passaram a ser a chave principal para a leitura do Outro.
Palavras-chave: viajantes, mentalidade medieval, mitos e maravilhas, razão.

INTRODUÇÃO
O Outro, por excelência, é aquele que vem de uma cultura distinta. Na Antiguidade, para gregos e romanos, era o chamado bárbaro. A distância geográfica, as diferenças de idioma e de comportamento sempre exerceram fascínio e repulsa entre os povos, motivando sobretudo a curiosidade, o desejo de aproximação, mas não necessariamente a compreensão.
Para os historiadores, o tratamento específico do Outro tal como costuma ser proposto pelos antropólogos só começa a ser considerado relevante após as reflexões daquela que foi denominada a terceira geração dos Annales. É sobretudo a partir dos trabalhos de Jacques Le Goff que começa a ser estudado o simbólico e o imaginário, com ênfase na idéia de uma antropologia histórica. O material mítico e o maravilhoso que dele faz parte é então reconhecido como uma das fontes válidas para a análise da História, o que abre um vasto campo de pesquisa de profunda riqueza.
Na conhecida definição de Mircea Eliade (1994: 128), o mito, reportando-se ao sagrado e ao tempo primordial, é uma história que narra algum tipo de verdade. Nas sociedades a que ele chama “arcaicas ou tradicionais”, o mito permanece vivo e se distingue de outros relatos tais como os contos, que não são “considerados” verdadeiros.
Segundo Hilário Franco Jr. (1996: 20) o estudo dos mitos medievais é fundamental para o entendimento das “origens da civilização ocidental.” Na medida em que se acredita que as mentalidades de uma sociedade são, entre outros aspectos, influenciadas também pela herança mítica que lhes é comum, pode-se examinar, então, as suas produções, procurando detectar aquelas nas quais o material mitológico é preponderante. As utopias fazem parte também deste imaginário que constrói cenários de perfeição e de fuga, e embora o termo utopia não fosse utilizado pelos homens e pelas mulheres da Idade Média, observamos a sua presença nas elaborações coletivas que se originavam dos desejos mais fortes e mais prementes daquelas sociedades. No conjunto do imaginário medieval, um espaço importante foi ocupado pelo desejo de fartura, desejo este motivado por uma série de carências e sempre renovado nos períodos mais críticos, estendendo-se para além do século XV. As utopias que se reportavam ao desejo de fartura atualizaram e reestruturaram vários mitos nos quais a alimentação exercia um papel preponderante. Reação contra uma penúria que, se não era permanente, reaparecia porém com certa freqüência, a utopia da abundância estava presente em diversos relatos e o mais significativo deles e de mais longo alcance foi provavelmente o do fabliau da Cocanha, evocado também nos primeiros olhares europeus sobre o Brasil.
Ver o país da Cocanha nas novas terras descobertas será comum entre aqueles que empreendem longas viagens em busca não apenas de riquezas mas de um lugar onde o imaginário pudesse talvez se aproximar do cotidiano. O início do que se convencionou chamar de Idade Moderna, no que diz respeito às mentalidades, é muito mais uma continuidade da Idade Média do que uma ruptura. Concordamos plenamente com a seguinte afirmação de Jacques Le Goff (1994: 21): “O passado respinga, sem dúvida, quando pretendemos sujeitá-lo e domá-lo com periodizações. Certas divisões são, contudo, mais destituídas de fundamento que outras para assinalar a mudança. Aquela a que se deu o nome de Renascimento não me parece pertinente.”
Sem dúvida, há fatores econômicos e políticos fundamentais impulsionando as chamadas Grandes Navegações e, em conseqüência, levando aos descobrimentos da América e do Brasil. Há também todo um contexto europeu e uma especificidade ibérica que permitem a Portugal e Espanha sair na frente para encontrar “novas” terras. Mas não são novas as mentalidades da maioria dos europeus que embarcaram para as aventuras do Renascimento.

ANDRÉ THEVET, COSMÓGRAFO DO REI
A França demonstrou muito cedo seu interesse pelo Brasil, não necessariamente a partir de um projeto coerente de expansionismo mas por meio de incursões com objetivo de comércio. Os bretões, marinheiros experientes, freqüentaram com assiduidade o Brasil, interessados na madeira e, mais adiante, nas possibilidades abertas pelo comércio triangular, no qual se incluía o tráfico negreiro (Wismes, 1992: 11-34). Em 1555, a fundação da França Antártica por Villegagnon representou, porém, não apenas o desejo de conquista territorial e a possibilidade de apoio ao comércio francês, mas igualmente a esperança, para os huguenotes, de encontrar uma terra nova, onde fosse viável professar e expandir a sua fé. A aventura foi breve mas dela se originaram duas obras que marcaram profundamente o imaginário europeu: As singularidades da França Antártica, de André Thevet, e a História de uma viagem feita à terra do Brasil de Jean de Léry.
O franciscano André Thevet foi um entusiasta das grandes viagens. Sua qualificação em termos de conhecimentos geográficos e provavelmente sua curiosidade por terras distantes, associadas a bons relacionamentos no ambiente clerical dominante foram elementos que, conjugados, permitiram que integrasse a expedição de Villegagnon, na qualidade de capelão. Mais adiante, de regresso à França, foi nomeado cosmógrafo da Corte dos Valois. O Brasil aparece, na obra de Thevet, de forma significativa não apenas no relato denominado Les Singularitez de la France Antarctique […] mas também na Cosmografia Universal e nos Vrais Pourtraicts. A parte inicial de Singularidades [...] descreve todo o caminho percorrido pela expedição de Villegagnon, incluindo diversos comentários sobre a África. Thevet não titubeia em acrescentar “dragões” aos animais que enumera como sendo encontrados na altura da Mauritânia:

Outra razão da existência de desertos é o número dos animaes ferozes, — os leões, os tigres, os dragões, os leopardos, os búfalos, as hyenas, as panteras e tantos outros. Receosos desses animaes, as gentes do país vão aos seus negocios sempre aos grupos, armados de arcos, flechas (…) (Thevet, 1944: 63).

Não há, portanto, nenhuma admiração, nenhuma dúvida com relação à existência de dragões, animais míticos que passaram à literatura e até mesmo a certas manifestações religiosas, extrapolando o período medieval. Thevet inicia sua descrição do Brasil com o desembarque em Cabo Frio, já então deslumbrado com a fartura. Sobre os peixes, escreve:

Os bargos e os mugens são (...) tantos que, quando estive no Cabo Frio, vi um selvagem pescar mais de mil delles, com um laço só de rede (…) (Thevet, 1944: 157).

O século XVI trazia em seu bojo uma forte herança da mentalidade medieval, que acreditava ser possível, algum dia, encontrar o País de Cocanha, cuja principal característica era justamente a fartura da alimentação, obtida na total ociosidade. A busca da abundância, o sonho da fartura e o desejo de uma vida menos trabalhosa faziam parte também da bagagem daqueles que partiam para o Novo Mundo, na esperança de encontrar um lugar no qual os homens estivessem livres da dura labuta nos campos, atividade essencial à sobrevivência dos europeus. Thevet, seguindo com a expedição de Villegagnon do Cabo Frio até a baía de Guanabara, na qual será instalada a França Antártica, encanta-se com:

(…) peixes, abundantes, de delicado gosto. (Thevet, 1944: 169).
(…) abundância de arraias, mas de especie differente das nossas, isto é, duas vezes maiores em largura e em comprimento. (Thevet, 1944: 170).

Mais adiante, escreve, chamando atenção para o fato de que é possível colher sem plantar e portanto sem trabalhar :

Quanto às suas terras, é a America fertilissima em arvores de excellentes fructos. Produzem os campos sem lavoura, nem semeaduras. (Thevet, 1944: 175).

Semelhante, pois, ao fabliau da Cocanha, que revela um lugar no qual:

(…) Sem oposição e sem proibição
Cada um pega tudo o que seu coração deseja.
Uns peixe, outros carne;
(…)
Basta pegar a seu bel-prazer; (Franco Jr., 1998:29)

Tal como o índio de Thevet que, atirando uma só vez a rede, havia pescado mais de mil bargos... O olhar de André Thevet sobre a fauna brasileira reflete não apenas a admiração pela quantidade e diversidade de animais desconhecidos para os europeus mas também pela possibilidade de apresentar aos seus leitores o pouco verossímil haüt (bicho-preguiça), que sobreviveria alimentando-se apenas de vento:

O animal de que falo é, em poucas palavras, tão disforme quanto seria possível crer ou imaginar. Chamam-lhe de haüt ou haüthi. Tem o tamanho de uma bugia grande da Africa e o ventre quasi arrastando por terra. A cabeça assemelha-se muito à de uma criança. (Thevet, 1944: 307).
Outra coisa digna de memória é que ninguem jàmais viu comer a esse animal (...). (Thevet, 1944: 308).

Em seguida, Thevet procura confirmar que efetivamente o haüt não precisa se alimentar e relata que, tendo sido presenteado com um deles, observou:

(…) que esta não quis comer ou beber por espaço de vinte e seis dias, permanecendo sempre no mesmo estado (...) (Thevet, 1944: 308).

Seres como os dragões ou mesmo como o haüt, que segundo Thevet viveria de vento, não se constituíam em algo totalmente absurdo para uma Europa que tinha ainda na memória os estranhos animais dos bestiários, presentes, muitos deles nas esculturas de suas catedrais. Em um trecho do relato, no qual se refere ao fato dos índios depilarem seus corpos, Thevet divaga acerca da possibilidade de ocorrer, em qualquer parte do mundo e na América inclusive, o nascimento de alguma criança peluda (Thevet, 1944: 192). A partir deste comentário, afirma já ter visto, na Normandia, uma pessoa coberta de escamas, acrescentando que:

(…) existem certos monstros de forma humana. Os satyros, por exemplo, que habitam os bosques e são pelludos como os animaes ferozes. (…) ainda se encontram na Africa certos monstros disformes. (Thevet, 1944: 193).

Na Cosmografia Universal, o Brasil ocupava também um lugar privilegiado. Se nas Singularidades [...] não havia referência direta ao quadro político da França Antártica, na Cosmografia o autor se detinha nos acontecimentos ocorridos após sua partida e que culminaram com a queda da colônia francesa (Thevet, 1953: 11-15). Sobre os graves incidentes entre católicos e protestantes, cujo ponto de partida foi uma sublevação contra Villegagnon, Thevet insiste no que ele considera uma “traição” por parte dos protestantes que estariam, em seu entender, planejando um complô contra os católicos na colônia. Quando Thevet esteve no Brasil, entre o final de 1555 e o início de 1556, era ainda possível um espaço para a tolerância e as próprias relações de Villegagnon com Calvino autorizavam a expectativa de uma convivência pacífica entre as duas religiões cristãs. Mas, logo em seguida, em março de 1562, teve início a primeira guerra de religião na França e os trágicos enfrentamentos sucederam-se até 1589, estando a redação e a publicação da Cosmografia Universal inseridas neste período convulsionado pela intolerância.
Frank Lestringant, analisando a obra de Thevet, escreve que ao escolher o paradigma cosmográfico, este autor estaria dando as costas ao período medieval, recuperando um modelo da Antigüidade, renovado pelo Renascimento, modelo este que supõe uma visão global do mundo. No entanto, uma leitura detalhada do franciscano deixa evidente que não há, de modo algum, rompimento com a mentalidade medieval. O próprio Lestringant (1991: 53) se contradiz e aponta, no mesmo livro, inúmeros traços do maravilhoso tanto nas Singularidades […] quanto na Cosmografia Universal.
O cosmógrafo descreve o mundo. No caso de Thevet, e de meados do século XVI, o mundo ampliado pelas grandes navegações. Mas como não considerar quem o descreve e quem parte, nas expedições que se lançam às descobertas e à colonização? São eles os europeus ainda influenciados por atitudes medievais. Luís Weckmann (1993: 25), embora partindo de outro tipo de pesquisa, conclui como Le Goff no sentido de afirmar a existência de uma longa Idade Média, o que, de certa forma, dá suporte para uma análise que enquadre os textos dos viajantes do século XVI e meados do século XVII na mentalidade medieval.

JEAN DE LÉRY: A VISÃO DE UM PROTESTANTE
A França Antártica, administrada com mão de ferro por Villegagnon, foi inicialmente um local privilegiado para a convivência entre católicos e protestantes. Embora cavaleiro de Malta, o vice-almirante da Bretanha apresentava-se inicialmente tolerante com os huguenotes, chegando a manter relações de amizade com Calvino, que lhe forneceria um contingente de colonos para povoar a terra conquistada. A historiografia discute acerca da tolerância inicial de Villegagnon para com os protestantes, atribuindo-lhe ora uma eventual simpatia em relação à religião reformada, ora um comportamento oportunista que mudava de acordo com a maior ou menor força política do grupo católico dos Guise junto à monarquia francesa.
Jean de Léry viajou para o Brasil como integrante de um grupo enviado justamente pelo líder genebrino em 1558. No decorrer daquele ano, porém, as disputas entre católicos e protestantes na França Antártica tornaram-se muito violentas, culminando com a impossibilidade de uma convivência pacífica, o que levou Léry e seus companheiros a deixarem a ilha, passando a viver junto aos indígenas, durante dois meses, até a chegada de um navio que os conduziu de volta à Europa.
Ao contrário de Thevet, que publicou as Singularidades […] em 1557, logo após, portanto, o seu retorno da França Antártica, a Viagem à Terra do Brasil de Léry só veio à luz em 1578, já que seu autor, não sendo cartógrafo nem cosmógrafo, estudando teologia e preparando-se para se tornar pastor, não tinha como prioridade editar o seu relato. Ao que tudo indica, foi o acirramento das lutas entre protestantes e católicos e a sua indignação com diversas afirmações de Thevet, principalmente na Cosmografia Universal, publicada em 1575, que levam Léry, após várias peripécias de perda do manuscrito iniciado em 1563, a reescrevê-lo, e publicá-lo pela primeira vez em 1577, dezenove anos, portanto, após o seu retorno do Brasil. (Morisot, J.-C. In Léry, 1975: VIIi-IX).
É importante, pois, ter presente o fato de que a Viagem […] de Jean de Léry responde à Cosmographie Universelle e às Singularidades […] de Thevet. A leitura que Léry fez de Thevet foi, sem dúvida, influenciada por sua posição de reformado e as críticas do franciscano aos calvinistas, tidos por ele como responsáveis pelo insucesso da França Antártica, vão atingir diretamente o autor da Viagem […]. Cada vez, portanto, que Léry, em seu relato, contesta uma afirmação de Thevet, ele o faz de maneira contundente, procurando deixar o “cosmógrafo do rei” em situação desconfortável. No entanto, independentemente da polêmica que envolveu os dois viajantes, a visão do Brasil que Léry deixou registrada em seus relatos foi sem dúvida influenciada pelas informações de Thevet. Sua descrição do bicho-preguiça está muito próxima da que se encontra nas páginas de Singularidades […] e da Cosmografia Universal:

Mas (coisa que parecerá realmente fabulosa) (…) que jamais homem, nem no campo, nem em casa, tenha visto este animal comer: tanto que alguns estimam que ele viva de vento. (Léry, 1975: 146).

Léry também participa da mentalidade da época, que aceita o fantástico e espera encontrá-lo nas novas terras. Sua descrição da anta é a de um animal estranho, uma “semi-vaca” ou “semi-asno” (Léry, 1975: 123). Preocupa-se em detectar o envolvimento de forças do mal junto aos índios e escreve:

É preciso notar que estas pobres gentes em sua vida são também a tal ponto afligidas deste espírito maligno (...) que (...) sentindo-se atormentados, e gritando de repente como que enraivecidos, diziam, Ai defendei-nos de Aygnan que nos espanca: outras vezes diziam que o viam claramente, ora como um animal ou pássaro, ou como outra forma estranha. (Léry, 1975: 234).

Na iconografia da Viagem à terra do Brasil encontra-se uma gravura na qual estão presentes diversas representações do fantástico tais como os dragões, os diabos atacando os seres humanos e, bem caracterizando as novas terras, um enorme bicho-preguiça, maior do que as árvores e do que os homens. Os peixes voadores assumem também proporções irreais (Léry, 1975: 235). O tema dos dragões é recorrente no imaginário dos primeiros viajantes e Thevet já havia se referido à sua provável existência na África (Thevet, 1944: 62). Não seria a condição de reformado que excluiria Léry das mentalidades de sua época, fortemente impregnadas pelo fantástico.
Le Goff (1985: 32) esclarece que o cristianismo procura “enquadrar” o maravilhoso no decorrer da Idade Média através do “sobrenatural” e da apresentação dos milagres, o que não impede, no entanto, que este continue a se desenvolver em níveis aceitos e até mesmo recuperados pela cultura erudita. Georges Duby, descrevendo o trabalho dos artistas que se ocuparam das catedrais medievais, destacou que estes levaram para a decoração das igrejas seres fantásticos do Oriente, criaturas aladas e sereias (Duby, 1993: 278), incorporando-os ao universo cristão. As esculturas românicas e góticas permaneceram muito além da Idade Média, e continuaram a representar um referencial de imagens para todos aqueles que encontravam na religiosidade um meio de exorcizar suas tensões e seus medos.
Se Thevet afirmava que existiam dragões na África, Léry, por seu lado, descrevia um lagarto brasileiro como um animal monstruoso, muito próximo às imagens dos bestiários medievais:

(…) vendo sobre a encosta um lagarto muito maior que o corpo um homem, e longo de seis a sete pés, o qual parecia coberto de escamas esbranquiçadas, ásperas e rugosas como conchas de ostras, uma das patas à frente, a cabeça erguida e os olhos cintilantes, parou imediatamente para nos observar. (...) após que esse monstruoso e temível lagarto abrindo a boca, e por causa do grande calor que fazia (...) respirando tão forte que o ouvíamos facilmente, nos tivesse contemplado por perto de um quarto de hora, virando-se de repente, e fazendo maior barulho e estalido de folhas e de ramos por onde passava, que um cervo correndo numa floresta, fugiu pelo monte. (…) Pensei depois, seguindo a opinião dos que dizem que o lagarto se deleita à vista do rosto humano, que esse deve ter tido mais prazer em nos contemplar do que tivéramos pavor em contemplá-lo. (Léry, 1975: 142-143).

Os relatos circulavam e os enredos estavam por assim dizer inseridos nas ações do dia-a-dia. Seres estranhos surgiam sem alarde, integrados ao mundo real. O fabuloso e o cotidiano não estavam separados de forma intransponível. Em nosso entender fica evidente que estes relatos de viagens, eivados de referências a mitos, a utopias e a situações fantásticas, tinham sua credibilidade assegurada em grande parte devido à permanência da mentalidade medieval - mentalidade esta que havia abrigado “a irrupção do maravilhoso na cultura erudita” (Le Goff, 1994: 48).

O RELATO DE CLAUDE D’ABBEVILLE
Os capuchinhos, ordem pertencente aos frades menores franciscanos, surgem no século XVI, contemporaneamente aos jesuítas, e, como estes, entregam-se com grande zelo à catequese. Imbuídos também do espírito da Contra-reforma que dominava o catolicismo europeu, eram veementes em suas pregações e rapidamente ganhavam terreno, ampliando o número de conventos e de adeptos. Em 1536, a Europa contava com quinhentos frades capuchinhos. Em 1571 este número já havia subido para mais de três mil, com a fundação de trezentos conventos (Palazzolo, 1973: 6).
Maria de Medicis, mesmo sem ter dado o apoio financeiro solicitado por La Ravardière, engajou o reino no objetivo de expansão da fé cristã. Afirmando seu desejo de catequizar os indígenas, pediu ao Convento dos Capuchinhos de Paris quatro frades que pudessem integrar a expedição. Foram indicados Claude d’Abbeville, Yves d’Évreux, Arsène de Paris e Ambroise d’Amiens. A rainha, certamente pouco inclinada a se indispor com a Espanha disputando terras ibéricas, preferia dar ênfase ao cunho missionário do projeto francês (Bonnichon: 1994, 123).
A estada de Claude d’Abbeville no Brasil foi de apenas quatro meses, mas, embora curta, deu origem a um relato muito detalhado da região maranhense onde se instalaram os franceses. Provavelmente utilizou-se de informações recolhidas com intérpretes que já viviam há mais tempo entre os índios, o que era comum na época. Seu texto deixa muito clara a condição de missionário, com inúmeros exempla que ilustram, do mesmo modo como havia sido hábito na Idade Média, os riscos para aqueles que viessem a cair em pecado. Jacques Le Goff, que estudou detalhadamente o uso dos exempla, define-os como sendo narrativas breves, utilizadas no período medieval, semelhantes a pequenos contos ou fábulas, mas de conteúdo persuasivo, cujo caráter de “exortação” visava a convencer os ouvintes com uma “lição salutar” (Le Goff, 1994: 123-125). O episódio narrado deveria ser plausível e ter ocorrido no tempo recente, próximo ao narrador (Le Goff, 1994: 125). Abbeville, em seu relato, faz uso desta técnica dos exempla com a habilidade da sua condição de pregador, o que é bastante evidente na passagem que segue, e que se refere a um pequeno índio de quatro anos que agonizava:

Já o considerava morto sua mãe, e o chorava. Perguntou-lhe o Paí se ela queria que o filho fôsse batizado, a fim que se salvasse pelo menos a alma. Respondeu ela que sim e que lhe suplicava mesmo insistentemente fazê-lo. Imediatamente batizou-o o Paí, e apenas realizado o ato recobrou a palavra o pequeno; e também a saúde, tão perfeita, como nunca tivera. Isso causou grande admiração aos índios, bem como aos franceses que se achavam presentes, e aumentou entre os índios o desejo de serem batizados.
Tais são os efeitos dos sacramentos; têm o poder de dar vida à alma e também, querendo-o Deus, saúde ao corpo. (Abbeville, 1975: 234).
Encontram-se, portanto, presentes no texto todos os elementos que Le Goff destaca como os de um exemplum medieval: a narração breve e persuasiva, o tempo recente e a experiência do narrador (Le Goff, 1994: 125) — no caso, a experiência visual, já que ele próprio presenciou o fato. Outra passagem de Claude d’Abbeville que se aproxima bastante dos exempla é a que se refere ao arrependimento dos indígenas que, segundo ele, durante muito tempo se haviam entregue ao canibalismo. Admoestados pelos frades e pelas autoridades francesas no Maranhão, prometeram então abandonar um comportamento que não se enquadrava na pregação do cristianismo (Abbeville, 1975: 234).
Fica evidente o caráter pedagógico da escrita do capuchinho, marcando, portanto, sua prática de missionário imerso na função da catequese.
Nos séculos XVI e XVII mantém-se ainda viva nas mentalidades coletivas, como uma presença forte e constante, a imagem do diabo. Claude d’Abbeville, como pregador, não passa evidentemente ao largo do tema e descreve com detalhes as artimanhas de Satanás para desviar os homens do bom caminho. Já no início de seu relato, referindo-se a alguns problemas enfrentados antes da partida da França e que atrasaram a saída da expedição, afirma que:

(…) os grandes empreendimentos são de ordinário dificultados por perigosos embaraços, e o Diabo, prevendo a próxima ruína de seu reinado e a expansão da religião de Jesus Cristo, o que mais do que tudo receava, não cessou de perseguir-nos (…) (Abbeville, 1975: 26).

É igualmente forte o apelo de Claude d’Abbeville, quando o capuchinho se refere aos peixes voadores que observou na altura dos trópicos, durante a viagem de travessia da França ao Maranhão:

Não sei se devo comparar êsses peixes à alma do mundano ou à do justo, pois é o verdadeiro simbolo de ambas. Claro está que se assemelha perfeitamente à do mundano dado a tôda espécie de vícios e disso fazendo alarde. Mergulhado no mar dos prazeres, delícias e volúpias, feito de riqueza, de gulodice e de libertinagem, nunca se sente tranqüilo, mas contìnuamente desconfiado, temeroso, angustiado, empanturrado de remorsos pungentes, dos quais procura libertar-se elevando-se até Deus, mas aos quais logo se vê reconduzido pelo Diabo. (Abbeville, 1975: 33)

No relato, a comparação dos peixes que saltam para fora do mar e nele voltam a mergulhar, com a alma do homem mundano, que mergulhava ele também nos vícios, é deliberadamente exagerada, buscando fixar uma imagem assustadora. No entanto, para Abbeville, os vícios e pecados estão também presentes no homem europeu e não se constituem em característica própria dos indígenas. A “culpa”, por assim dizer, é do demônio tentador e não dos habitantes do Brasil.
Quando, em março de 1612, quatro meses após a sua chegada ao Maranhão, Abbeville retorna à Europa, acompanhando Rasilly que vai tentar obter um maior apoio de Maria de Medicis, a situação da França Equinocial já é precária e, no desejo de não desagradar à Espanha, a regente não se envolverá na manutenção das terras conquistadas.

NOVOS VIAJANTES, NOVAS LEITURAS DO OUTRO
Os avanços da ciência e a sua vulgarização devida a uma grande difusão da leitura, na França, bem como o sucesso alcançado pelos filósofos, foram parte importante das mudanças que ocorreram ainda no interior do Ancien Régime. Os próprios monarcas difundiram a imagem de soberanos interessados em reunir à sua volta homens de letras e de ciências.
O antigo deslumbramento com a exuberância da floresta e com a fauna brasileira, tão presente nos relatos de viajantes franceses dos séculos XVI e XVII, cedia espaço, no século XVIII, aos comentários críticos de naturalistas como Buffon, que insistiam sobre a debilidade da natureza americana. Buffon, ao lado do sueco Lineu, foi a encarnação de uma nova maneira de olhar a natureza e o próprio homem nela integrado.
A história natural despontava como ciência autônoma e encontrava apoio também junto a grande parte da burguesia setecentista e da nobreza. Ambos os segmentos sociais se apressavam em conhecer, ainda que de modo pouco aprofundado e em parte por ostentação, os fundamentos de um conhecimento novo, através de atraentes publicações que alcançavam grande sucesso. Buffon publicou o primeiro volume de sua História Natural em 1749 e a partir de então continuou a editar regularmente o conjunto da obra que atingiu um total de trinta e seis volumes até 1788. (BUFFON, TAQUET, Ph., DORST, J. et alII., 1988).
O interesse pelos jardins botânicos tomava conta da Europa. O Jardin du Roy, do qual Buffon era o superintendente desde 1739, abria para visitação pública todas as terças e quintas feiras, atraindo grande número de pessoas. O aperfeiçoamento da cartografia em bases de grande precisão se constituiu em um dos maiores avanços do setecentos e para este desenvolvimento foi essencial a contribuição de cientistas ingleses e franceses e, especialmente, do Observatório da Académie Royale de Sciences de Paris. Newton, na Inglaterra, abriu caminho na publicação de seus Principia Mathematica para a discussão sobre a verdadeira forma da terra, tema de grande importância para maior precisão na elaboração de mapas.
Em 1734 Maupertuis partiu para a Lapônia e, em 1735, La Condamine embarcou para o vice-reino do Peru (atual Equador), com a finalidade, respectivamente, de medir um arco meridiano no Pólo Norte e outro no Equador, para depois compará-los e então estabelecer a forma real da terra. Ambas as viagens tiveram, pois, um caráter marcadamente científico, o que permite contestar a afirmação de Flora Süssekind, de que seriam “histórias de aventureiro”, os relatos do século XVIII e “viagens com fins de exploração científica nas primeiras décadas do século XIX”(Sussekind, 1990, 129). Não resta a menor dúvida que desde o setecentos é acentuado o interesse pela ciência, e inúmeras viagens têm então por objetivo aumentar os conhecimentos nas áreas de botânica, de astronomia, de geografia, ainda que com finalidades muitas vezes também de conquista.
Em 28 de abril de 1745, Charles-Marie de La Condamine leu na sessão pública da Académie des Sciences, em Paris, a Relation abrégée d’un voyage dans l’intérieur de l’Amérique méridionale, depuis la côte de la mer du Sud jusqu’aux côtes du Brésil et de la Guiane, en descendant la rivière des Amazones. Dez anos se haviam passado desde a sua partida em 1735 até o retorno a Paris, em fevereiro do mesmo ano da apresentação à Academia. Se o objetivo central da viagem era obter a medida do meridiano na altura do Equador, várias outras aquisições científicas integraram também a bagagem de retorno da expedição, consagrando-a como um real sucesso em sua época.
Só em 1743, após terem sido realizadas as tarefas para as quais a equipe de cientistas havia sido enviada é que La Condamine decide-se pela descida do rio Amazonas, de Jaén de Bracamoros até Belém do Pará, viajando durante um ano pela Amazônia brasileira e seguindo para Caiena em 1744. Dada a magnitude da expedição e os trabalhos para o qual ela foi organizada, ressalta-se, pois, que não cabe supervalorizá-la em relação ao Brasil. Já no início do Prefácio La Condamine deixa clara a questão central que motivou sua viagem:

Quanto mais se aperfeiçoa a arte de navegar, tanto mais se sentirá a utilidade de conhecer a forma da Terra. (...) É pelo menos certo que quando se duvida se a Terra é alongada ou achatada tanto mais importância prática tem o saber-se a que nos devemos apegar para tomar medidas decisivas. (La Condamine, 1944: 3).

Sem dúvida um típico viajante ilustrado, La Condamine escreve com cuidado e faz referências bem fundamentadas sobre tudo o que vê. É preciso ter em mente que seu texto foi lido na Academia de Ciências, em Paris, em meados do século XVIII, portanto em plena vigência do pensamento iluminista, sujeito aos comentários de seus pares, cientistas, mas também de pensadores altamente críticos como Voltaire, que embora não estando presente à sessão de leitura informava-se sobre todos os debates da época e publicava suas reflexões, com grande divulgação. Assim, relata com muita sobriedade o que ouviu falar sobre as mulheres amazonas, dando crédito, mas de forma discreta, ao que lhe contaram e ressaltando que se tratava de informações recebidas e não de fatos por ele mesmo testemunhados.

No decurso de nossa navegação, indagámos por toda parte dos índios das diversas nações, e com grande cuidado o fizemos, se tinham algum conhecimento das mulheres belicosas que Orellana pretendia ter encontrado e combatido, e se era certo que elas se conservavam fora do comércio dos homens, não os recebendo entre sí senão uma vez por ano (...) Todos nos disseram que ouviram falar disso por seus pais, e juntaram mil particularidades longas demasiado para serem repetidas, e tudo tendente a confirmar que houve no continente uma república de mulheres solitárias, que se retiraram para as bandas do Norte (...) (La Condamine, 1944: 77).

La Condamine não se detém muito no assunto e encerra o capítulo com um comentário que é bastante característico de um texto iluminista, explicando que, se as amazonas efetivamente existiam, era devido a determinadas condições que tornavam a sua realidade não apenas possível mas lógica. A racionalidade do argumento é flagrante no trecho que segue:

Contento-me em assinalar que se alguma vez pôde haver Amazonas no mundo, isso foi na América, onde a vida errante das espôsas que acompanham os maridos à guerra, e que não são mais felizes no lar, lhes deve ter feito nascer a idéia e ocasião frequente de se furtarem ao jugo dos tiranos, buscando fazer para si um estabelecimento onde pudessem viver na independência, e pelo menos não serem reduzidas à condição de escravas e bêstas de carga. Semelhante resolução uma vez tomada e executada, não teria nada de extraordinário (...) (La Condamine, 1944: 81-82).

O olhar lançado sobre o Brasil é o de um legítimo representante das Luzes, preocupado em ver à sua volta tudo o que possa ser convertido em informação útil e verossímil. Com relação à flora, o viajante busca espécimes que serão levados à Europa, já que os naturalistas do setecentos demonstram grande interesse pelas variedades que possam ter sobretudo uso medicinal (La Condamine, 1944: 60-61). As observações sobre o quinino e sobre a borracha serão também recebidas com entusiasmo na França e a expedição ficará, pois, conhecida não apenas pela medida do meridiano, que confirmará a afirmação de Newton sobre a forma achatada da terra, mas também por uma diversidade de informações de caráter científico, justamente em uma época na qual a ciência, e especialmente a botânica, a astronomia e a geografia ocupam uma posição de destaque. É sob este enfoque que deve ser lido o relato de La Condamine e a sua passagem pela Amazônia portuguesa se constitui, assim, em um detalhe num projeto mais amplo do chamado Século das Luzes. Evidencia-se a partir da análise do século XVIII que, bem mais do que ver o Outro, o não-europeu, em sua especificidade, o que interessa aos viajantes franceses é tentar abarcar o mundo todo com um olhar que faz seu inventário, que ordena e classifica mas que, sobretudo o transforma em um imenso laboratório para suas experiências científicas.
Analisamos também em nossa pesquisa o interesse europeu pelo Oriente e constatamos que no século XVIII a China e os países islâmicos têm muito a oferecer tanto em termos de produtos de luxo quanto de um intercâmbio que envolve contatos propiciando uma voga artística “orientalista” que se consolidará no século XIX. Não está descartado o desejo de conquista, uma conquista porém que vai se delineando distinta das que eram habituais nos séculos anteriores. Só atrai o território que pode oferecer mais do que uma floresta densa e uma variedade de mitos e utopias ligados à terra e aos animais de um bestiário fantástico.
Voltaire, uma das vozes mais ouvidas no setecentos, não fica estranho ao Oriente e, em Zadig, descreve uma Babilônia imaginária na qual o personagem principal, que dá nome ao conto, desenvolve um grande interesse pela ciência. (Voltaire, 1993). O filósofo trata, pois, de questões vinculadas ao século XVIII europeu através de uma ficção oriental, bem ao gosto da época. Zadig viaja pelo Oriente, encontra pessoas fora do comum e mulheres que se encaixam no que a Europa pretende que seja a feminilidade arabo-persa. Os cenários de haréns povoam, a partir desta época, o imaginário ocidental, dando novas roupagens ao exotismo.
Com Jean-François de Lapérouse, que parte para o Pacífico, Luís XVI prossegue com a mesma política que havia sido a de Luís XV. Financia a expedição, principalmente porque ela permitiria detalhar as rotas do Oriente. O próprio monarca dedica-se a estudar geografia e procura acompanhar as novas aquisições das ciências.
O viajante setecentista é, muitas vezes, o homem do mar, o oficial de marinha, além de cientista. Diferente daqueles que, como André Thevet, Jean de Léry e Claude d’Abbeville, embarcaram nos navios tendo os territórios e não o oceano como objetivo. Os relatos do século XVIII evidenciam com muita clareza esta condição de pouco interesse pelo interior dos continentes. Mesmo La Condamine, que desce o rio Amazonas, já parte com projetos bem específicos que não se assemelham em nada aos daqueles franceses que recolheram, nos séculos XVI e XVII, um imenso conjunto de informações sobre a vida dos indígenas brasileiros.
É fundamental para se entender a mentalidade do da época das Luzes, tanto a idéia de mapeamento quanto a de experiência e de inventário, o que restringe os lugares visitados à condição de um grande laboratório. Consolida-se o avanço incontestável da geografia com o domínio dos percursos marítimos, abrindo caminho para uma outra etapa do expansionismo francês — expansionismo este que, no século XIX, se beneficiará dos conhecimentos coletados no período anterior.
O viajante iluminista, porém, não foi mais aberto à alteridade do que aqueles que o precederam e que aceitaram o mítico e o maravilhoso como explicações para a diferença. Com o abandono do fantástico, é o espaço do sonho que se retrai.

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